terça-feira, 24 de abril de 2012

O Anjo


Eu nunca vejo TV em casa porque não tenho o aparelho.

Esta noite como não tive aula fui entregar os DVDs na locadora com multa de mais R$ 9,00. Na volta passei pelo centro médico e peguei o resultado dos exames que já estavam lá há quase um mês para pegar, lógico que fui de bicicleta. Eram entre seis e sete da noite e mesmo que eu quisesse ir de ônibus ou carro, não seria possível porque esta cidade está abarrotada de gente, não cabe mais ninguém, no entanto continuam construindo prédios e destruindo casa e arvores.

Andava pela ciclovia que é assassina, sim porque quem a construiu não tinha a mínima noção do que estava fazendo. Começando pelas guias de concreto, divisando-a com o jardim, de 10 cm de altura por 25cm de largura mais ou menos, com um desnível bastante avantajado, a roda da frente encosta ali e tu é jogado no chão. Eu mesmo já caí algumas vezes e numa dessas, estava molenga, bati com a lateral do tórax e quebrei uma costela, que me doeu um mês inteiro. A última vez que caí foi por causa de uma flor do jardim, uma bromélia que acabara de desabrochar naquela manhã de sol, eu ia em direção ao canal 6 pegar o meu barco na garagem do Galeon e de repente a vi.
Vinha rápido, algo brilhou no canto direito do meu olho, olhei e parei nela e dela no chão. A roda da frente resvalou na guia, porque havia uma curva sutil, o chão estava molhado e cheio de poças, outras bicicletas vinham na contra mão prá cima de mim, tinha que andar perto da guia. Desta vez, estava mais preparado para cair, segurei-me na bicicleta e caí em cima dela praticamente, mas mesmo assim me machuquei um pouco embaixo do joelho e na coxa direita, estou dolorido até agora e já faz duas semanas do ocorrido. Praguejei, limpei a perna e o calção, levantei meio mancando e fui lá perto da flor, vê-la, sentir seu aroma maravilhoso, indescritível, de uma cor púrpura e branca belissimamente cheirosa, valeu ter parado. Literalmente caí por ela, essa me derrubou.

Além da guia de concreto, todas as ciclovias da cidade são de mão dupla e estreitas demais para isso. Existem ainda umas sinalizações pintadas numas pranchas de concreto armado, de 2m de altura, a cada 50m e em cima das guias, um absurdo. No dia que eu caí, se houvesse uma dessas pranchas de concreto no meu caminho, hoje com certeza não estaria escrevendo aqui.

Na volta para casa, um trânsito horrível, vim pela ciclovia do centro e não era possível respirar, a quantidade de carros parados nos dois sentidos, com a ciclovia no meio, um inferno. Para sair dali, vim pela calçada arborizada de jambolões do canal 3, com brisa vinda do mar, guias abaixadas, pedalei até a praia sem parar. No cruzamento da avenida da praia com o canal 3, o semáforo estava fechado para mim, muitos carros passando rápido, parei e esperei. Olhando no entorno, observei uma figurinha de uns 5 anos no máximo, de cabelos encaracolados, sentado em cima da lata de lixo no canteiro do meio entre as duas avenidas da praia, ele ali esperando não sei o que. Fiquei curioso e quis chegar perto dele o mais rápido possível e antes do sinal abrir para eu passar, passei e fui perto dele e disse:

  - E aí, tá jogado no lixo?

Brinquei com ele que me respondeu imediatamente que não, com um gesto de cabeça.

- Ah bom, senão ia te levar para minha casa!

O semáforo fechou e ele pegou uns limõezinhos e começou a fazer malabarismo na frente dos carros para ganhar uns trocados. Fui então atrás dele chamando:

- Oh jogado no lixo... oh jogado no lixo...

Ele nesse momento estava entre os carros parados recebendo moedinhas dos sensibilizados motoristas e aí ele olhou para mim e eu lhe disse:
- Vem cá que eu vou te dar um dinheiro!

Ele correu para a calçada do meio onde eu estava e ao meu lado esperou que eu abrisse a mochila e havia uma nota de R$ 10,00, dei a ele e lhe disse:

- Agora vai para tua casa e sai dessa poluição!

Ele saiu correndo olhando para a nota em sua mão, atravessou a rua e sumiu. Estou contando isso porque aquele garotinho pequeno daquele jeito, sentado em cima da lata do lixo, no canteiro central das duas movimentadas avenidas da praia, parecia um anjinho, daria umas belas imagens. Se ele respondesse que sim, que estava ali jogado no lixo, eu o traria para casa e cuidaria dele.

Renato Alves Sant'Anna - 4º semestre

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