quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Perfume no ar...

Dia desses, na biblioteca, onde trabalho, soube de um caso verídico, contado por minhas colegas, que me deixou pensativa no tocante ao quanto prejulgamos as pessoas pelas aparências e o pouco valor que lhes damos, contrariando aquele provérbio que diz: é em pequenos frascos que se encontram os melhores perfumes.
Há alguns anos, era frequentador assíduo um jovem alto, claro, de traços elegantes, porém vestia-se como mendigo, com roupas sujas, velhas e sapatos surrados, trazendo consigo uma sacola com poucos pertences, que, como ele, exalavam um cheiro desagradável, denunciando que era morador de rua.
Sempre que chegava, dirigia-se ao balcão e pedia, educadamente, livros, ora de leitura, como romances, contos, poesia, ora livros didáticos, como Geografia, Matemática e outros. Pedia, ainda, o favor de lhe emprestarem uma folha de papel e um lápis, para que fizesse anotações.
Sentava-se isolado numa mesa, mesmo porque os outros consulentes não se animavam a lhe fazer companhia.
As funcionárias, sempre intrigadas, se perguntavam: será que esse rapaz sabe mesmo ler e escrever, ou passa as horas ali, por não ter aonde ir, ocupando seu tempo, fingindo ler os livros?
Com o decorrer do tempo, elas e o rapaz foram adquirindo confiança, intimidade, e embora, no começo, sempre mostrando-se arisco às perguntas sobre sua origem, seus parentes, aos poucos foi revelando os segredos de sua vida.
Seu nome era Francisco, morador do interior do Estado, nascido em uma família simples, mas com condições de lhe dar estudo até o segundo grau, um teto e boa educação.
No entanto, em dado momento de sua vida, viu sua mãe enviuvar e mais tarde se casar com outro homem, motivo de muitas brigas, incompatibilidades, desilusões. Decidiu sair para o mundo, mas, sem conseguir uma chance de trabalho por onde passava, foi se tornando um andarilho errante e acabou no litoral, ficando ali como indigente, por longos anos, vivendo da caridade alheia.
Sua história comoveu as funcionárias que, com boas conversas, conseguiram algumas referências da mãe, nome, cidade onde morava e local de trabalho.

Depois de alguns telefonemas e alguma pesquisa, conseguiram localizá-la e, sem que o rapaz soubesse, foram feitos alguns contatos com ela, que, ao saber do paradeiro do filho, que julgava desaparecido, devido ao longo tempo sem notícias, não cabia em si de contentamento e emoção. Toda a história de brigas foi por ela confirmada, mas a vontade de ter o filho de volta era imensa, embora não tivesse condições financeiras de vir buscá-lo.
Uma das funcionárias, então, resolveu juntar uma quantia de sua poupança, e custear a passagem e algumas despesas e contou ao rapaz o desejo de sua mãe de revê-lo e tê-lo junto à família, novamente, mas com a promessa de que não haveria mais desentendimentos.
Francisco relutou com a ideia e o medo de que tudo se repetisse, hesitou, mas acabou concordando, aceitando a proposta.
No dia seguinte, com banho tomado, roupas limpas, com uma sacola com seus poucos pertences, foi levado à rodoviária.
Semblante apreensivo, mas com uma nova esperança nos olhos, já parecia outro homem.
Despedidas, agradecimentos e promessa de notícias breves, que vieram no dia seguinte, confirmando a sua chegada ao destino.
Longo tempo se passou desse episódio, até que, numa tarde ensolarada, para surpresa de todas as funcionárias, adentrou na biblioteca um rapaz bonito, bem vestido, carregando um estojo de perfumes, que inundou o ambiente com os mais doces aromas.
Era Francisco, alegre, forte e falante. Contou que depois de se entender com a família, superar desavenças, passou algum tempo por lá, mas devido à saudade, decidiu voltar e morar no litoral, onde casou-se e constituiu família.
Tornara-se representante de uma marca de perfumes e os vendia a domicílio.
Foi realmente um momento mágico, cheio de alegrias, recordações, gratidão, deixando em todos a certeza de que todo ser humano tem seu valor, que, às vezes, se esconde atrás de uma aparência incomum, mas que basta uma chance, um empurrãozinho para ele desabrochar e perfumar o mundo.

Esta história, caros leitores, nos remete ao compromisso que assumimos como professoras/pedagogas, qual seja nunca podemos prejulgar nossos alunos por sua aparência ou conduta. Nossa verdadeira missão é descobrir o perfume que está guardado dentro de cada um deles.

Lidia Ventura Regis - 2º semestre 2012/2

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