quarta-feira, 26 de setembro de 2012

A casa onde nasci...

A casa onde nasci, hoje, não existe mais. Não existe em suas paredes de madeira pintadas de verde e amarelo, mas está lá , de pé, dividindo terreno com duas casas sobrepostas, erguidas em seu lugar... Impossível passar à porta e não vê-la, principalmente, ao cair da tarde: o sol poente, vermelho, morno, rosando as dálias repolhudas, amarelas, vermelhas, brancas, misturando seus perfumes ao cheiro bom do café ou do leite acidentalmente queimado na chapa do fogão.
O muro baixo permitia às pessoas enxergarem toda a frente da casa, a lateral e o imenso jardim. Na frente, ligando o chão à varanda uns seis degraus de escada, acimentados, tépidos do sol do dia, receptivos, serviam de assento a quem deles se servisse, como uma sala a céu aberto. Crianças, jovens, os mais velhos ali teciam conversas descompromissadas, preguiçosas...
O mandacaru à frente da casa, imponente e áspero, em nada representava o que ali dentro se passava. Era bem mais um guardião, um totem a repelir a aspereza do mundo lá fora, ou um lembrete para que deixássemos as nossas asperezas ali, em seus espinhos, e nos portássemos do quintal para dentro na suavidade e pureza do algodão de nossas essências. Era um lugar muito simples, com poucos móveis, já bem desgastados, outros doados, mas os espaços eram arejados, claros e amplos. Não havia quem ali entrasse e não percebesse a receptividade daquele lugar. As barreiras caíam, as pessoas se desarmavam, era um espaço de encontro, de comunhão.
Lembro-me dos sons daquela casa. Da vizinha gritando “olha a chuva” ao cair dos primeiros pingos, da gargalhada deliciosa da vendedora ambulante de chinelos, do apito longo do vendedor de paçoca, da buzina do carrinho de pães doces, o chilrear da passarada, das cigarras estridentes no início do verão.
Lembro-me dos cheiros bons daquela casa. De primos suados brincando, do cheiro de ferrugem que havia nas correntes do balanço feito por meu avô e que insistia em permanecer nas mãos das crianças; do cheiro de graxa do barracão, do cheiro da terra molhada ou da roupa ensaboada quarando ao sol, no gramado.
Infelizmente, a urgência de melhor aproveitamento dos espaços urbanos, as necessidades financeiras e a pressa do cotidiano não permitem mais a presença de um chalé de madeira, receptivo e acolhedor, no meio da cidade. Hoje, ao ver a nova construção erguida no local de minha antiga casa, percebo uma modernidade estéril, luxuosa e fria, que parece me dizer que tudo o que ali aconteceu não foi importante ou não mais existe.
Em parte, a nova casa tem razão: quase não vejo meus primos, meus irmãos, meu pai... Meus avós, Deus já levou para si. Minha mãe, também, se foi recentemente. Que saudade de minha avó!... Que saudade de minha mãe!... Daquela menina que viveu naquela casa do nascimento até seus vinte e poucos anos também tenho pouco: fui deixando tudo por aí, aos rasgos, nos arames farpados dos relacionamentos que forjam a maturidade de uma pessoa comum. Só não abandono a fofura do algodão, de minha essência preservada nas lembranças que tenho daquela casa, onde, num instante, tudo retorna ao meu alcance e, onde, por vezes, deito minha mente e meu corpo cansado.

Maria Tereza Fumelli - 4º semestre 2012/2

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