sábado, 23 de abril de 2016

A escola


Brincadeiras, música e jogos foram o meu primeiro contato com um mundo novo, a primeira vez que saí de casa para passar algumas horas m pessoas que não conhecia.
Com muita timidez e medo tentava brincar, mas tinha a compreensão que deveria me comportar bem e, para mim, isso significava ficar parada e calada. Era melhor não arriscar, afinal de contas apanhar, ao chegar em casa, não era meu objetivo, já tinha sido arrastada pela manhã, não ficaria bem repetir essa mesma cena na saída.
Toda repreensão não fez com que eu não aprendesse, conseguia desenvolver bem os primeiros trabalhos e entre um risco e outro surgiram as primeiras letras com significado e formas.
Quando me lembro destes primeiros anos, me vêm à mente alguns 
momentos desagradáveis que, mesmo já passados tantos anos, ainda me trazem tristeza. Um deles foi o momento do lanche, eu nada tinha, a não ser um desejo enorme de comer a maçã que a colega do lado havia levado. Pensava em ficar doente, assim quem sabe conseguiria com que minha mãe comprasse a tão sonhada maçã. Desta forma, eu a forçaria a tirar de onde não tinha para satisfazer meu desejo. Assim aconteceu. 
Consegui a tão sonhada maçã, depois de 40 graus de febre.
Outro momento era a falta de sapatos e uniformes, minha irmã devia chegar logo para que eu usasse o seu. Os sapatos nunca davam direito, a roupa estava sempre maior e o material escolar meu pai nunca conseguia comprar todo e era desagradável ter de ouvir a professora reclamando a falta dos livros. A tristeza e o constrangimento tomavam conta de mim, não tinha canetinha sylvapen, como contornaria meus desenhos? E ando a professora perguntava onde morava. Nossa, era terrível! Sabia ue ouviria risadinhas, não tinha casa, morava numa palafita e para eles isso não era moradia.
Ler e escrever eram os objetivos maiores, não meus, mas principalmente do meu pai, que sabia o que era o pouco estudo e isso me causou uns bons puxões de orelha. 
Mesmo com toda dificuldade avançava nos estudos. Meu pai sempre gostou de ler e me ajudava nas dificuldades que enfrentava. Nunca pudemos ir a uma livraria, mas isso não era problema, os livros não didáticos eram conseguidos nas lixeiras do prédio onde trabalhava. Eram limpos e organizados, caso as folhas estivessem soltas. Depois de averiguados e lidos, eram entregues a mim, afinal tinha de ver se o que estava escrito era apropriado. Me lembro um pouco da história de um desses livros, era sobre um menino que amava muito seu burrinho e, num determinado momento, porque estava doente o carregou nos ombros.
A escola era vista por meus pais como um lugar maravilhoso, lugar este que eles nunca puderam frequentar, mas agora seus filhos, mesmo com dificuldades podiam. Era lugar de esperança por dias melhores. Antes de sair para estudar, era aconselhada a me comportar, era muito inquieta e respondona e isso os preocupava, por isso recebia muitas orientações e entre elas ameaças de levar uma boa surra, caso não me comportasse. 
Nossa! Se alguma reclamação chegasse, ficaria sem as orelhas, era o que dizia minha mãe e, muitas vezes, essas ameaças foram cumpridas, não as perdi, mas recebi uns bons puxões, pois chegava um momento que não aguentava mais ficar quieta. Anos se passaram, livros foram lidos, centenas de horas sentada em escolas, buscando aprendizado e penso em tudo que vivi, muitas delas não relatadas e muitos destes estudiosos que li me revelam o tipo de educação que tive e, por mais que meu pai não tenha frequentado uma escola, ele sempre esteve envolvido com o processo ensino/aprendizado.
Paulo Freire me revela bem a educação bancária que tive, aquela que só o professor é o detentor do conhecimento e o aluno deve não demonstrar nenhum tipo de questionamento para não atrapalhar a aula, afinal, que novidade uma criança poderia trazer para enriquecer sua prática docente.
O ser crítico, autônomo não me foi ensinado, isso adquiri e venho me apropriando ao longo dos anos, mas penso que essas inquietações sempre fizeram parte de mim. O conhecimento de dentro para fora como fala Piaget. 
Sócrates acreditava que todo homem era bom, o que devia ocorrer era levá-lo a essa descoberta, com questionamentos, com educação.
O que pensaria esse filósofo hoje? Certamente ficaria sem palavras. Creio. Passados centenas de anos e o sonho de que todos devem ter 
acesso à educação continua. Essas virtudes precisam ser despertadas. 
Esse ser crítico, tão discutido por educadores, é colocado a prova todos os dias, em sua casa, em meio aos amigos e, principalmente, em seu local de trabalho, quando seu emprego é colocado em risco por decisões que precisam ser tomadas. E aí, o que fazer? Discordar e discutir o assunto ou simplesmente concordar.
O tempo passou, as primeiras dificuldades vencidas, os sapatos, uniformes, casa, esses hoje os tenho. Ah! E maçã, posso ter a hora que quiser e o quanto desejar.

Ruth Clara Lima Matos
Curso de Pedagogia - 1º semestre

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