segunda-feira, 30 de março de 2015

Ninguém nasce vazio, cabe a nós escrevermos a história


Na nossa primeira aula de Conteúdo e Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa II, a professora nos surpreendeu com uma atividade inusitada: nos foi entregue uma folha com um texto em Alemão.
De primeiro momento, algumas alunas comentaram que a tarefa havia sido feita por engano, já que sua escrita estava em outro idioma. Confesso que me senti confusa e um tanto que perdida, já que não conseguia entender qual a proposta daquela atividade. Passados alguns minutos, conseguimos identificar algumas características do gênero textual.
Durante o exercício de leitura, ao receber o texto, me senti como uma criança ainda não alfabetizada, tendo contato com a língua escrita. Por se tratar de um idioma desconhecido, não consegui realizar a leitura, ou melhor, não consegui fazer a junção das letras para formar uma palavra ou frase, mesmo que, no decorrer do texto, houvesse algumas palavras com a escrita da mesma forma que o idioma utilizado em nosso país, o Português.
Assim como uma criança que procura uma imagem para fazer a leitura, procurei por meios de identificar o gênero textual que, neste caso, tratava-se de uma carta comercial, embora o conteúdo em si não tenha sido compreendido devido à falta de conhecimento do idioma alemão.
Essa atividade me fez questionar: seria fato a criança ou adulto aprender a ler somente ao ingressar em uma instituição de ensino?
Acredito, conforme Freire, que a criança ou adulto, ao chegar num ambiente escolar, carrega consigo uma grande bagagem: as experiências vividas em seu cotidiano, isto é, seu conhecimento do mundo.
Freire afirma, em seu livro A importância do ato de ler, que a primeira leitura é a que circunda a criança no seu dia a dia, em seu convívio com os pais, avós, irmãos, ou seja, o mundo no qual ela está inserida. Ao contrário do que muitos pensam, a leitura já acontece muito antes de se aprender a decodificar as letras ou codificar uma frase, já que a criança ou adulto, antes de ingressar em um convívio escolar, carrega consigo sua experiência existencial.
Segundo Freire, a alfabetização, precisa ser realizada pelo professor na escola, de modo que a experiência existencial, por parte dos educandos, faça junção com a experiência proporcionada pelo educador, facilitando assim a escrita da língua oral. 
Sendo assim, a leitura do mundo volta em forma de leitura já codificada. 
No texto que nos foi dado em aula, no qual tínhamos a tarefa de realizar a leitura em grupo, por alguns momentos, nos sentimos, eu e meu grupo de companheiras, perdidas, como crianças entrando em contato com o mundo da leitura e da escrita. Mas, com nossas experiências existenciais, como nos explica Paulo Freire, conseguimos compreender que se tratava de um idioma desconhecido: Alemão. Após algumas explicações dadas pela professora, conseguimos ir analisando o texto. Desta forma, o nosso conhecimento foi se entrelaçando com o fornecido pela professora, concluindo assim nossa “leitura”, ainda que superficial. Desta mesma forma, ocorre com as crianças e adultos, ao ingressarem em um convívio escolar.
Cabe ao professor observar e analisar o seu grupo de alunado e trabalhar, de forma que a criança ou adulto venha expor seu conhecimento de mundo, para que seu ingresso ao mundo letrado venha a ocorrer de uma forma prazerosa e produtiva.
Sobre o trabalho do professor, Madalena Freire nos explica que, no dia a dia, enfrentamos um processo de criação na prática educativa, lidando com o inusitado. Ao nos depararmos com uma sala repleta de alunos, cada um com sua cultura, seu conhecimento de mundo, cabe ao professor uma abordagem interativa, lendo a realidade de seus alunos, buscando informações para organizar seu fazer pedagógico. O fazer pedagógico é além de ensinar a ler e escrever e sim interagir com seus educandos para obter, assim, a troca de conhecimentos.
Segundo a autora, é de suma importância que o professor registre sua prática, ou melhor, seu viver pedagógico. Esses registros não servem apenas para relatar como foi a aula, mas, principalmente, para que o professor reflita sobre suas ações pedagógicas.
Madalena Freire nos afirma que a reflexão registrada tece a memória, a história do sujeito e de seu grupo. Esses registros reflexivos servem para que o professor avalie o que aconteceu em classe, o desenvolvimento dos alunos, além de ter um registro para acompanhar o desenvolvimento do grupo como processo de ensino e aprendizagem, as observações, exemplos de atividades. Desta forma, caso necessite, poderá rever seu fazer pedagógico. Esses registros podem ser válidos para planejamentos futuros, e mais, registrar fazeres que podem se tornar grandes histórias.
Durante todo este processo, pude analisar que a criança carrega consigo um conhecimento existencial, como nos afirma Paulo Freire, e que cabe ao professor analisar seu grupo de alunado, registrando toda sua ação, assim como o desempenho de seus alunos, como nos afirma Madalena Freire: “ao compartilhar nossos registros, aprendemos a pensar junto com o outro”.
Portanto, a atividade “carta em Alemão” foi apenas um pretexto para desenvolvermos esta síntese reflexiva que envolveu a complexidade do pensar crítico.
A teoria que pode embasar esta atividade é o sociointeracionismo, porque houve uma interação, em que a aprendizagem foi construída com a interação dos sujeitos e do meio.
Concluo, citando Madalena Freire:
"Aprendemos porque damos significados à realidade, porque buscamos, desejamos desvelar o porquê do que não conhecemos. Toda busca de saber nasce de uma inquietação. Onde o criar, o sonhar, [...] possa ir sendo instrumentalizado por um educador possibilitando assim um pensar e um fazer criativo".

Kelen de Jesus Silva Dutra (7º semestre Pedagogia PARFOR)

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