segunda-feira, 23 de março de 2015

A leitura pela leitura, pelo prazer de ler

Na nossa primeira aula de Conteúdos e Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa II, em 09 de fevereiro de 2015, a professora Rosana nos surpreendeu com uma atividade inusitada: nos entregou um texto em uma língua desconhecida para que fizéssemos a leitura.
A estratégia didática utilizada pela professora, para nos ajudar a compreender o exercício, foi a organização do trabalho em grupos de alunos, em que obtivemos informações. E dos resultados da interação das ideias com o grupo, em que participava, surgiu uma leitura coletiva do texto. Trabalhar em grupo abriu uma percepção para a associação da situação do texto que líamos e de como me senti: como uma criança incapaz de ler e decodificar um texto com palavras estranhas, não reconhecendo a leitura e com dificuldades.
Ler é construir sentido para o que se está lendo. Sobre este aspecto Paulo Freire nos explica que o conhecimento de mundo é a nossa base para a compreensão da leitura. Percebo que a formulação de estratégias para esta atividade envolveu a identificação da língua do texto, que não era o Português e sim o alemão; o reconhecimento do gênero carta, os nomes, a cidade e de como foi enviada para a pessoa e de todo o ambiente em que foi elaborada.
Considerei importante ressaltar a relevância das ferramentas de interpretação que são necessárias para a compreensão da linguagem escrita para a transformação do processo no desenvolvimento da leitura, porque compreendi que a prática de ler é muito importante para buscar as informações que precisamos nas entrelinhas. Posso embasar esta minha compreensão em Paulo Freire, em “A importância do ato de ler”, quando o autor explica que a leitura está envolvida na prática de ler, de interpretar o que lemos, de escrever, de contar, de aumentar os conhecimentos que já temos e de conhecer o que ainda não conhecemos, para melhor interpretar o que acontece na nossa realidade, compreender o sentido das mensagens orais.
Em sala de aula, foi preciso que a professora Rosana Pontes interviesse para unir as ideias de todos os alunos e estimulá-los a perceber o que estava acontecendo ao seu redor: decifrar uma carta a uma vaga de emprego para uma empresa de transportes.
Sendo assim, para mim, o que faltou foi ter um entendimento com o texto e, nesse processo, precisamos pensar sentir e querer alcançar uma aprendizagem de relações durante a leitura, a cada palavra, descobrindo pistas para decodificação, ou seja, tudo ao mesmo tempo, pois a escrita é um exercício de desvendar códigos para o conhecimento e construção do sentido do texto, seja livro, jornal, revista ou carta.
Analisar um texto exige reflexão crítica, e, antes de tudo, exige prática, treino, experiência. Por isso, mais uma vez Paulo Freire nos ensina que é essencial que saibamos valorizar a cultura popular em que o aluno está inserido, partindo desta cultura, e procurando aprofundar seus conhecimentos, para que participe do processo permanente da sua libertação.
O exercício com a carta em alemão que realizamos e a leitura de “A importância do ato de ler” fizeram-me recordar de meu processo inicial de alfabetização, como era a minha infância, meus momentos de leitura com meus pais e irmãos mais velhos.
Morávamos em uma casa grande com amplos espaços em todos os cômodos e ao fundo um grande quintal com uma bela árvore frutífera. Nela, cresci e caminhava pelo mundo infantil real, descobrindo perspectivas para o conhecimento das primeiras letras. Me reunia com minhas amigas de infância para brincarmos de professora e alunos, e a lousa, o giz, o caderno e o lápis eram os objetos preciosos. 
Eram bons tempos de infância... Bom recordar sobre a escola, que ficava um pouco distante de minha casa. Minha mãe me arrumava, com cabelo muito bem penteado preso, com uniforme impecável, caminhava com meus irmãos mais velhos em direção à escola, percorrendo caminhos tortuosos e com grande movimento de pessoas pela rua afora. Era um vai e vem, em que todos andavam apressados atravessando entre calçadas para irem a mercados, bancos e até padarias, passando entre ruas e avenidas. No meio do caminho, me encontrava com minhas amigas de escola, também me alegrava no trajeto ao apreciar as belas árvores compridas e imensas, e desse modo caminhava o meu conhecimento com novo aprendizado pelo mundo afora. 
Assim, como Paulo Freire relaciona sua infância e seu conhecimento prévio para a iniciação à leitura, destacando que a leitura de mundo antecede a leitura da palavra, posso reconhecer que meu mundo infantil antes da alfabetização já era culturalmente rico, com um amplo vocabulário que poderia ser explorado na aprendizagem da escrita.
Lembro-me que, ao chegar à escola, aprendi a ler e escrever com o método de alfabetização com cartilha e memorização. Esse era o método tradicional de alfabetização: o ensino sistemático de aprender o be a bá, alfabetizando, soletrando as primeiras palavras, separando sílabas. As lições eram feitas em caderno de caligrafia e foi assim que me familiarizei com as primeiras letras.
Já na escola primária, aos sete anos idade, foi um pouco diferente. Tenho boas recordações de apreciar as vivências com a professora do ensino fundamental, pelo fato dela sempre não se contentar em aplicar apenas as lições impostas pelo livro didático, mas lia e relia os textos dos livros para nos instruirmos e muitos deles sem expectativas de aprendizagem, mas no final a professora acabava nos ajudando nas lições do dia a dia. Retomando aqui Paulo Freire, na alfabetização não nos interessa transferir frases e textos para ir lendo sem entender. A reconstrução consciente em qualquer nível exige o fato de necessitar da ajuda do educador em qualquer ação pedagógica.
A professora que cito acima era muito rígida e, ao mesmo tempo, muito doce. Uma coisa importante que eu levei para as minhas aulas de Português é que ela lançava as questões, mas eram os alunos que faziam delas aulas. Era bacana, porque cada um crescia e ela ajudava cada um a crescer. Na adolescência, gostava de ler livros de literatura clássica como (O Cortiço) Aluísio Azevedo, (Vidas Secas) Graciliano Ramos, que a professora escolhia e eu apreciava a leitura. Além disso, amava ler obras de Agatha Christie, histórias de suspenses e policiais, e romances como Sabrina, livros da época etc. Leituras que mergulhavam na história da idade em que subia na árvore que havia no quintal da casa para ler.
Essa experiência mostrou-me que há um universo inteiro dentro de cada palavra e que, quanto mais a gente conhece as palavras, mais conhecimento adquirimos. O que a gente diz é muito sério, porque é o que o outro vai ouvir. E se a gente diz uma coisa errada, não clara, a informação se perde. Por isso, Paulo Freire fala da “palavramundo” que significa a relação dinâmica entre a leitura da palavra e a leitura da realidade, em que nós encontramos a realidade na globalização, o desenvolvimento do mundo na tematização.
No ensino fundamental que frequentei, para conhecer as palavras, eram utilizados os textos ditados, e qualquer erro de escrita era motivo para o aluno escrever a mesma palavra por várias vezes. Nos livros didáticos, eram extraídos trechos de livros para que, após a leitura, respondêssemos perguntas feitas para decorar para prova. A sala de aula era toda decorada de trabalhos com cartazes feitos por alunos elaborados juntos com professora de Português. Quanto aos métodos de ensino, eram completamente diferentes dos contemporâneos. Com práticas de textos lidos, os exercícios que são retirados, copiados ou ditados pela professora sem muitos diálogos a respeito, somente para os alunos complementarem as frases. Esses métodos que descrevo acima são o que Paulo Freire classifica como: “educação bancária”, em que não há diálogo. Ou seja, o autor nos leva à compreensão da prática democrática e crítica da leitura do mundo e da palavra, em que a leitura não deve ser memorizada mecanicamente, mas ser desafiadora e que nos ajude a pensar e analisar a realidade em que vivemos.
Para Paulo Freire, na educação bancária, a leitura estava reduzida à metodologia tradicional, à prática assistemática em que os textos eram “lições de leitura”. Momento em que professore e aluno não interagiam e dialogavam em sala de aula.
Retornando ao exercício com a carta em alemão que realizamos, compreendo que o objetivo era que observássemos quais são as finalidades de se criar estratégias no exercício que, neste caso, foi reconhecer quais são os caminhos da linguagem escrita, e então compreender como desenvolver uma prática social de leitura.
Por isso, Paulo Freire analisa a ideia de que: “A biblioteca popular como centro cultural e não como um depósito silencioso de livros, é vista como um fator fundamental para o aperfeiçoamento e a intensificação de uma forma correta de ler o texto em relação com o contexto” (FREIRE, 1989, p.38).
Diante de recursos didáticos adequados nas salas de aula, os alunos se tornam mais participativos, principalmente com a utilização de um círculo de conversa, promovendo interação professor/aluno, com trocas de ideias no concreto. Construir conhecimento, aprendendo juntos com a utilização do diálogo, em salas de aulas. É isso que Paulo Freire denomina “círculo de cultura”, em que o diálogo é a mais importante ferramenta didática.
Segundo Paulo Freire, a alfabetização de adultos deve estar diretamente relacionada ao cotidiano do trabalhador. Desta forma, o adulto deve conhecer sua realidade de mundo para poder inserir-se de forma crítica e atuante na vida social e política. Transpondo este conceito para a educação de crianças, a alfabetização deve estar diretamente relacionada com o contexto da vida do aluno, a partir de seu conhecimento de mundo.
Compreender a leitura e não saber ler e escrever depende totalmente da alfabetização e escolarização. Sendo assim, as instituições escolares deverão impor variedades no ensino com contextos e objetivos específicos, com o padrão formal e informal, para vencer o fracasso na instrução escolar em todo o país.
Atualmente, o mais importante na educação é saber ler e escrever. Portanto, a criança precisa ser alfabetizada lendo e escrevendo até os oito anos de idade, a fim de ser capaz de analisar e compreender um texto, fazer crítica e refletir. Sendo que, antes de tudo, exige prática, treino, experiência levar em conta que o aluno está na escola para aprender e interpretar o texto com a atividade em que está aprendendo, e o professor precisa articular a teoria com a prática pedagógica, levando-o à construção de seus conhecimentos. E qualquer pessoa, mesmo sem grandes conhecimentos técnicos sobre o assunto, pode observar que os indivíduos parecem ver, ouvir e sentir de forma muito diferente uns dos outras, mesmo que estejam no mesmo lugar, cercados pelas mesmas coisas, e nas mesmas condições.
A alfabetização é um processo de ensino-aprendizagem amplo, longo e as formas de construir o saber e desenvolver habilidades no ler e escrever são inúmeras. Nesse sentido, conforme nos recomenda Freire, educador e educando precisam estar juntos, um ajudando o outro nas atividades e principalmente na dificuldade, tendo como propósito a capacidade de um domínio seguro da leitura e da escrita, devendo ser reconhecidas as experiências, através de bagagens vindas com práticas sociais familiares. Cada indivíduo tem seu aprendizado diferenciado adquirido de conhecimentos do cotidiano e a escola, por sua vez, tem o dever de motivar, incentivar o educando a ter o prazer de gostar de ler e escrever, garantindo uma formação digna para um futuro cidadão para, então, poder viver socialmente.
Para Paulo Freire, uma das primordiais tarefas da Pedagogia crítica radical libertadora é trabalhar a legitimidade do sonho ético, político, da superação da realidade injusta. “É trabalhar a genuidade dessa força da ideologia que estimula a imobilidade dos oprimidos e sua acomodação à realidade injusta necessária ao movimento dos dominadores”. Devemos ter sempre um olhar especial para cada situação.
Seguindo essa linha do pensamento, não podemos deixar de citar Paulo Freire. Para ele, a alfabetização deve ser parte do processo, por meio do qual, além de aprender a ler e escrever, surge a responsabilidade pela transformação social e o processo educativo, devendo colaborar com o desenvolvimento da consciência crítica dos educandos.
Acrescento ainda a este texto as ideias de Madalena Freire, no tocante à prática do registro pelo professor. A autora explica que o registro reflexivo das atividades cotidianas ajuda o professor a encontrar algumas das respostas para as suas dúvidas profissionais, bem como a ter uma troca de experiências, ideias e conhecimentos.
Para Madalena Freire, observar uma situação pedagógica é "olhá-la, fitá-la, mirá-la, admirá-la, para ser iluminada por ela. Observar uma situação pedagógica não é vigiá-la, mas sim fazer vigília por ela", isto é, estar e permanecer acordado por ela, na cumplicidade da construção do projeto, na cumplicidade pedagógica.
Por todos os aspectos apresentados neste texto, que partiram de um simples exercício de leitura com a carta em alemão e pela reflexão que consegui desenvolver, com base em Paulo Freire e Madalena Freire, acredito que todas as pessoas gostariam de estar vivendo em um mundo onde tudo fosse maravilhoso. Nesse mundo ideal, estaríamos felizes e satisfeitos conosco mesmos, com as pessoas à nossa volta e com tudo o que somos e com tudo o que temos.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam. SP: Cortez, 1988. 80 p.

Dora Ferreira de Moura 
(7º semestre Pedagogia PARFOR)

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