domingo, 22 de março de 2015

Desvendando o desconhecido: uma aventura metodológica

Na nossa primeira aula de Conteúdos e Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa II, a professora nos surpreendeu com uma atividade inusitada. Esta atividade foi uma carta em alemão.
Ao iniciar a leitura do texto em alemão, a minha primeira reação foi de total desespero, por não ter o domínio da língua em que estava escrito. O que me levou a uma reflexão profunda, buscando a compreensão dos conteúdos escritos. Minhas colegas de grupo e eu procuramos desenvolver a atividade de acordo com nossas habilidades leitoras: analisamos e buscamos informações de todas formas possíveis
Coloquei-me no lugar dos meus alunos diante do novo, quando não sabem ler e escrever convencionalmente, quando apenas as imagens fazem parte de seus mundos, e quando a dificuldade de tentar desvendar o desconhecido pode levá-los a um sentimento de fracasso. Ao ler “A importância do ato de ler”, de Paulo Freire, compreendi que “linguagem e realidade se prendem dinamicamente, um não existe sem o outro”.
Portanto, uma carta em alemão não faz parte da minha realidade, bem como textos escritos não fazem parte da realidade daqueles que ainda não sabem ler e escrever. Mesmo assim, ao tentar ler a carta em alemão, explorei a possibilidade que estava disponível, como o formato do papel, a forma como o texto estava organizado, analisando e buscando respostas. Citando Paulo Freire, “a leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade daquela”, compreendi que as estratégias que utilizei para “ler” a carta faziam parte do meu conhecimento de mundo, ou seja, sabia que textos são escritos em papel, que o gênero textual era de uma carta, que a língua era o alemão.
Essa compreensão não se deu isoladamente, pois estava trabalhando em grupo e com a ajuda de outras pessoas fica muito mais fácil. Mais uma vez, Paulo Freire nos explica que ninguém ensina ninguém, mas aprendemos juntos, mediatizados pelo mundo.
Esta experiência remeteu-me a um período na minha infância, cuja sensação já tinha esquecido. Foi como se estivesse no primeiro ano da escola outra vez, quando eu não sabia ler e escrever, tentando decifrar aqueles códigos que meu cérebro ainda não sabia interpretar, da minha professora tentando me inserir no mundo da leitura e da escrita, dos meus colegas que dividiam comigo as mesmas inquietações da infância, dos amigos do bairro em que eu morava, das vezes em que junto com minhas três irmãs brincávamos no pequeno sítio dos meus pais. Isso me levou a um mundo de lembranças que ficaram muito tempo esquecidas em um lugarzinho guardado dentro de mim, e os sentimentos de medo, angústia, alegria e anseios afloraram diante do desconhecido.
Nas palavras de Paulo Freire, “os textos, as palavras e as letras, do mundo, do meu contexto”, ou seja, o autor fala da compreensão crítica da importância do ato de ler, constituído de uma curiosidade natural de decifrar o desconhecido, cuja interpretação depende totalmente de um conhecimento que parte das experiências e das palavras conhecidas antes de se aprender a ler e a escrever. Por isso, Paulo Freire defende que a alfabetização seja realizada por meio de palavras que tenham sentido para o aluno, escolhidas com cuidado pelo alfabetizador. Esse é o conceito de “palavra geradora”. A palavra geradora é uma palavra do universo do alfabetizando que, após ser discutida com seus colegas de classe, será utilizada para a iniciação à escrita.
Retomando o relato sobre o exercício de “ler” a carta em alemão, posso testemunhar, com base em Freire, que existe alegria em conseguir entender o texto, saber o que aquele amontoado de letras quer dizer, porque a leitura pode ser comparada com uma conversa da escrita com o leitor. Senti alegria quando compreendi o significado de algumas palavras da carta, quando fiz uma leitura, mesmo que superficial, e percebi que posso ser protagonista do meu conhecimento. Assim, pude entender que não é suficiente uma simples interpretação do texto, mas é preciso realizar uma leitura complexa.
Elaborando uma reflexão sobre a minha prática pedagógica atual e a necessidade de oferecer materiais diversificados para os alunos, para que analisem e reflitam sobre cada atividade, bem como realizem uma leitura prazerosa, de acordo com Paulo Freire, pude compreender que o conhecimento de mundo antecede a escrita, e quando o professor faz uma junção de todo o contexto em que o aluno está inserido, a escrita flui naturalmente. O aluno constrói uma ponte para seus conhecimentos, a partir de sua realidade, assim, o conhecimento se torna mais significativo. Conforme Paulo Freire, “a alfabetização é a criação ou montagem da expressão escrita da expressão oral”, por isso, é preciso dar oportunidade para o aluno se expressar, criar, imaginar, buscando algo que faça sentido para o seu desenvolvimento.
Contudo, ao analisar a atividade do texto em alemão, pude perceber com clareza a proposta que foi oferecida. A princípio, a atividade foi planejada para o desenvolvimento do pensamento reflexivo. Na tarefa 1, compreendi a necessidade do trabalho em grupo. A interação com o outro, conhecendo sua linha de pensamento, fez com que eu compreendesse melhor o texto.
Essa compreensão também foi possível devido à leitura do texto da Madalena Freire, em seu livro Observação, registro, reflexão. A autora nos fala que com “o trabalho em grupo coordenado por um educador, aprendemos a ler construindo novas hipóteses na interação com o outro. E, ao confrontar com as hipóteses dos outros, aprendemos a refletir”. Refletir sobre a nossa prática pedagógica levando a criar atividades que proporcionem maior interação dos alunos.
Devido a esse momento de interação em sala de aula, houve a oportunidade de entender o que estava escrito, portanto, pudemos criar uma compreensão juntos. Essa criação é necessária para um bom andamento das aulas, segundo a autora Madalena Freire, e é tão importante para o processo de ensino/aprendizagem que a autora relaciona com a essência da vida. Madalena Freire nos fala que esse momento faz parte da vida do educador, de que todos os dias ele lida com o imaginário dos alunos “assim como o próprio viver, o criar é um processo existencial”, buscando significados para a sua criação, adaptando-as para a sua realidade. Diante destas informações, há a necessidade de registrar estas criações, com o intuito de acompanhar o desenvolvimento dos alunos. É imprescindível que o professor aprenda a registrar reflexivamente suas atividades pedagógicas, porque, sem esses registros, parte desse processo ficaria comprometido. Nas palavras de Madalena Freire (1996, p. 06 ): "Este aprendizado do registro é o mais poderoso instrumento na construção da consciência pedagógica e política do educador, pois quando registramos tentamos guardar, prender fragmentos do tempo vivido que nos é significativo, para mantê-lo vivo".
A partir da reflexão que realizei sobre a atividade com a carta em alemão, com base nas leituras de Paulo Freire e Madalena Freire, compreendi que uma simples atividade que a professora prepara precisa estar embasada pedagogicamente e possuir aspectos didático-metodológicos sugeridos por autores e teóricos da educação. Assim, pude observar que as teorias que podem embasar esta atividade são:
· Sociointeracismo – porque foi dada a oportunidade de criação do aluno, interagindo com o grupo, discutindo sobre o que poderia ser aquela atividade, os alunos construíram seus conhecimentos, a partir do material que puderam desvendar com suas habilidades de leitura.
· Gêneros textuais – porque o texto foi uma carta, que embora tenha sido escrita na língua alemã, era um gênero de fácil identificação pelo grupo e isso ajudou no exercício de leitura. Também foi solicitada uma “síntese reflexiva” como produção textual e isso foi um desafio para todos nós, promovendo uma nova aprendizagem do que é "síntese" e do que é "reflexiva".
· Letramento – porque foi feita uma reflexão sobre a leitura e a escrita para, com isso, entendermos do que se tratava a atividade e nos levarmos a uma melhor compreensão do texto, bem como avançamos em nosso nível de letramento, no que se refere à leitura e ao diálogo com os textos científicos de Paulo Freire e de Madalena Freire.
A proposta desta atividade se justifica diante da necessidade de formar educadores capazes de refletir sobre o que leem, de modo que haja um diálogo com o texto.
Ao me deparar com esta aventura de desvendar o desconhecido, e, através deste desconhecido, eu aprendi a ler, mas não uma leitura convencional e sim uma leitura com olhos da alma, por meio dos quais eu pude enxergar a leitura mais pura do ser humano, aquela que já tinha esquecido, aquela que fez aflorar a alegria. Quando consegui juntar as palavras, sentir aquelas emoções contidas diante do novo, que no caso foi uma carta em alemão, cuja linguagem não pertence ao meu convívio social, compreendi que existem meios diferentes de entender o texto, possibilitando várias interpretações e como nós educadores devemos elaborar nossas aulas, com uma visão apurada diante da necessidade dos alunos das escolas atuais.
Este processo é uma verdadeira aventura metodológica, na qual aprendemos a desempenhar melhor nossas aulas, buscando conceitos e analisando a diversidade plural existente em nossa cultura, de modo que contribuam para um desenvolvimento integral do indivíduo, tendo a consciência do quanto é importante para o educador esta troca de conhecimento. Embora compartilhemos a mesma língua, pertençamos a mesma nação, somos diferentes em nossas crenças, em nossas religiões, nossos gostos. Estas diferenças são o que nos tornam seres únicos diante da sociedade.

Claudenice Gomes (7º semestre de Pedagogia PARFOR)

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