domingo, 22 de março de 2015

Como você se sente em uma situação de leitura que não domina?


Essa pergunta me remete a uma situação por qual passei. Há três ou quatro anos, me inscrevi para fazer aulas de música no Conservatório Municipal de Cubatão. O curso era para participar do coral e também aprender as notas musicais, por meio da teoria e também da prática, usando um instrumento, no caso a flauta doce, para que pudéssemos aprender e diferenciar as notas.
No início, pensei que fosse simples, os professores eram capacitados e pacientes para ensinar, mas do que mais me recordo foi a dificuldade que senti quando os estudos chegaram na parte da escrita e leitura das notas musicais. 
Nossos estudos eram bem intensos e aplicados, mas devo confessar que os duzentos dias letivos que passei pelo Conservatório não foram suficientes para que eu pudesse aprender essa nova forma de escrever e ler que me apresentaram. Em muitos momentos, coloquei-me no lugar dos pequenos que estão iniciando na alfabetização: o quanto é difícil e penoso essa iniciação.
Fazendo a comparação dessa experiência com a atividade “carta em alemão”, que realizamos na aula de Conteúdos e Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa, posso dizer que ler é imprescindível para comunicação. E, ao tentar ler o que está escrito em outra língua, precisei elaborar algumas estratégias para decifrar o que estava escrito, como tentar identificar algumas palavras conhecidas ou que tivesse a pronúncia mais fácil, mas não encontrei. O desconhecimento da língua dificultou para que eu pudesse fazer uma leitura compreensiva. Ler é acionar estratégias de um conhecimento prévio, como por exemplo, diferenciar os vários tipos de gêneros textuais que existem dentre eles estão: romance, conto, artigo de opinião, receita culinária, listas de compras, carta, que é o gênero do texto do nosso exercício e também o tipo de língua usada que, no caso, é o alemão.
Exige-se para diferenciar gêneros textuais e para concluir uma leitura compreensiva o domínio da língua e suas funcionalidades, mas, para que haja de fato uma real compreensão, são necessários além desta, a interação com o outro.
Vigotski propõe uma situação de ensino/aprendizagem em que o indivíduo aprende por meio de sua inserção na sociedade, da sua interação com outros indivíduos. O contexto social é o lugar onde se dá a construção do conhecimento mediado. (Knoow.net, 2009)
A partir dessas experiências com as aulas no Conservatório e a carta escrita em alemão, respondo a pergunta feita anteriormente, e posso relatar que a sensação de não ter domínio de uma situação de leitura, que não domino, é de total impotência e insegurança.
Para aprofundarmos nossas reflexões, a partir da atividade com a “carta em alemão”, nos foi apresentado o texto “A importância do ato de ler”, de Paulo Freire. Após a leitura, foi possível compreender que “(...) a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra(...)”. O texto de Paulo Freire me fez refletir e ter consciência sobre o quanto é importante e relevante os conhecimentos que trazemos conosco.
Percebo a verdade que existe nessas palavras, quando me reporto à minha infância e ao início da minha alfabetização, no sentido da escrita e da leitura. O que mais consigo lembrar são os momentos em que vivi livre descobrindo o mundo, explorando o quintal da casa dos meus avós, subindo no pé de pitanga, ainda hoje consigo reconhecer suas folhas, seus galhos, seu porte franzino, mas que, ao florir e com a chegada de seus frutos, enche nossos olhos e paladar de sensações boas. Dos pés de goiabeiras, que eram vários, me possibilitando escolher qual fruto pegar primeiro, da agilidade que adquiri ao subir nessas árvores, que até hoje aos 51 anos de idade consigo subir. Descobri que é como andar de bicicleta, a gente nunca esquece!
Lembro-me do mundo que explorei ao redor da minha casa, subindo em muros, passeando por cima deles, atravessando de uma quadra a outra, das brincadeiras inventadas, das horas que passava deitada no muro e observava as nuvens dando formas e nomes, do tempo que passava cocorada na janela para ver as pessoas que passavam e cumprimentá-las e, por muitas vezes, fiz até minhas refeições, para não perder ninguém de vista. Dos momentos das leituras dos gibis, dos recortes das imagens, das escolhas das maiores, das mais bonitas, das brincadeiras de casinha, das tentativas em confeccionar as roupinhas de boneca no quintal da casa da minha amiga Bil, que tinha esse apelido por que não gostava do seu nome, e que depois de nós duas crescidas nos distanciamos e tomamos rumos diferentes em nossas vidas.
As lembranças que tenho da minha infância são preciosas e valorosas. E a reflexão, a partir do texto “A importância do ato de ler”, de Paulo Freire, me fez enxergar o quanto já tinha de conhecimento de mundo quando iniciei minha alfabetização. Infelizmente, não me recordo de nenhum momento desse início de vida escolar, a não ser que usávamos a cartilha "Caminho Suave", mas do contato mais direto com o professor, explorando esses conhecimentos prévios, desse eu não lembro. “(...) Refiro-me a que a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele(...)”, Paulo Freire (1983).
Ao pensar o exercício que estamos realizando, a partir da carta em alemão, e com a leitura de Madalena Freire, “Observação, registro e reflexão”, avalio como leitura e escrita são indissociáveis. Paulo Freire mostra-nos, poeticamente, a importância do ato de ler, levando em consideração o conhecimento de mundo e reconta-o através de experiências vividas. Madalena Freire nos mostra a importância do registro como instrumento na construção da consciência pedagógica e política do educador, e que nosso olhar precisa vir carregado de significados, realidade, interpretações, como sendo este nosso maior desafio.
Em ambos os casos, os autores falam da interação com o outro (sociointeracionismo) e da construção do conhecimento (construtivismo), das lembranças que quando resgatadas ganham status de memória e essa, por sua vez, alicerça a consciência histórica, política e pedagógica do sujeito, da transformação que esse sujeito alcança quando faz uso da leitura e da escrita. Madalena Freire enfatiza que, ao registrar, deixamos nossa marca no mundo, que o ato de escrever desenvolve a capacidade reflexiva sobre o que se sabe e o que ainda não se domina. Ao escrever, formulamos perguntas, levantamos hipóteses, o que significa abrir-nos para um processo de aprendizagem.

"Pela concepção construtivista, o professor deve criar contextos, conceber ações e desafiar os alunos para que a aprendizagem ocorra. O conhecimento não é incorporado diretamente pelo sujeito: pressupõe uma atividade, por parte de quem aprende, que organize e integre os novos conhecimentos aos já existentes”.
Publicado em NOVA ESCOLA Edição 237, NOVEMBRO 2010. Título original: Três ideias sobre a aprendizagem.

Edna de Araújo Nascimento Cirqueira
(7° semestre Pedagogia PARFOR)  

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