quinta-feira, 26 de março de 2015

Falando de leitura e escrita

Na nossa primeira aula de Conteúdos e Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa II, a professora nos surpreendeu com uma atividade inusitada.
A atividade foi aplicada em sala de aula, onde a professora propôs que os alunos lessem uma carta no idioma alemão, com a ajuda dos colegas de grupo. No início, procuramos um colega que é professor de inglês e que, por ironia do destino, estava no grupo, porém o colega guardou o segredo a sete chaves. Restou-nos fazer uma decodificação das palavras conhecidas e encaixá-las usando a imaginação.
Logo após o susto, percorri as linhas e percebi que algumas palavras eram de fácil leitura, porque eram semelhantes ao português e, com a ajuda dos meus colegas do grupo, chegamos à conclusão de que se tratava de uma pessoa pleiteado uma vaga de emprego, em uma conceituada empresa alemã.
Entendo que a compreensão do texto é muito importante, ler é atribuir sentido ao texto. E se não consigo atribuir sentido a esse texto, como vou compreendê-lo? Paulo Freire, em “A importância do ato de ler”, explica que a leitura do mundo precede a leitura da palavra. Assim, compreendo que é a minha leitura de mundo que trará sentido às palavras, justificando a ausência do meu entendimento nesse exercício da carta em alemão.
Dessa forma, as habilidades usadas para compreender o texto foram decifrar as palavras que eu não conhecia, encaixando com as de fácil compreensão, ou seja, aquelas semelhantes às da Língua Portuguesa. No entanto, a falta de domínio do idioma foi o que complicou a leitura e a fácil compreensão do texto. Com isso, percebo o quanto é importante conhecer outros idiomas e, principalmente, quão importante é ler, atribuindo sentido ao texto.
Sobre a construção de sentido no ato de ler, Paulo Freire nos ensina que esse ato não se constitui mecanicamente, mas dinamicamente com a construção de todos os saberes existentes dentro desse mundo. Ao ler o texto de Paulo Freire, remeto-me ao passado e às histórias que ouvia. Ao primeiro livro que me transportava para um novo mundo, em que eu me via dentro daquele barquinho amarelo, descendo naquelas águas. Era um livro do qual eu gostava muito, o título era “O barquinho Amarelo”, da autora Lêda Dias da Silva.
Era um livro que me fascinava pelas imagens que eram fáceis de entender. Uma história de um menino que construiu em barquinho de papel amarelo, soltou esse barquinho na correnteza de um rio e observava aquele barquinho deslizar sobre as águas, até sumir. Logo após a leitura, eu corria ao tanque de minha casa e colocava um barquinho, fingindo ser o mesmo da história, reproduzindo a leitura através de gestos.
A leitura não era das palavras e sim das figuras, que, de certa forma, me inspiraram para querer aprender a ler e dar significado a cada uma das palavras. Recordo da estante cheia de livros de minha casa, e folhear aqueles livros, para mim, era como se eu entendesse o significado das palavras, mais tarde descobri que aqueles livros eram tão complexos e a leitura era de cunho acadêmico. Meu pai sempre me dizia para ter cuidado com os livros para que durassem por mais tempo. Compreendo, por meio de Paulo Freire, que somos naturalmente seres curiosos, por isso, acredito que compreender o novo, principalmente o universo escrito é tão atraente para uma criança.
Retomando o assunto “leitura”, e seguindo o raciocínio de Paulo Freire, compreendo melhor o que venho observando com os meus alunos. Aprender a ler, escrever e alfabetizar, antes de tudo, é aprender o mundo e compreender o seu contexto. Isso não se dá por uma manipulação mecânica de palavras, mas através da linguagem e da realidade existente no mundo do indivíduo.
Conforme Freire, “a leitura do mundo precede a leitura da palavra” e seu inicio se dá na infância, quando da convivência com a família, com os pais e irmãos mais velhos, vivenciando crenças em seu cotidiano, adquirindo conhecimento do seu mundo, por meio da transferência cultural, até os anos do início da alfabetização. As primeiras leituras de uma criança são os brinquedos, a mãe, as brincadeiras de roda, as canções, nas brincadeiras de feira, de mercado e de casinha. Ainda segundo o autor, “não podemos deixar de lado, desprezado, como algo imprestável o que as crianças, jovens e adultos trazem de compreensão do mundo, nas mais variadas dimensões de sua prática social” (FREIRE, 1993, p. 86).
A informação vem através da leitura e a leitura amplia o conhecimento, devastando tudo aquilo que chamamos de ignorância, mas como compreender um texto se o mundo que cerca o aluno é bem distante daquele a que a palavra se refere? Antes de tudo, o mundo do aluno tem que ser compreendido pelo professor, sendo primordial para o ensino que o envolva, induza e traga para esse aluno a realização para o seu aprender. Essa tem que ser “a paixão por conhecer o mundo”, segundo Madalena Freire, daqueles que nos cercam diariamente, bem como aquele que ensina precisa apaixonar-se por ensinar
A leitura, a escrita e a alfabetização devem ser feitas através do amor e principalmente da compreensão dos fatores existentes na sociedade. Quão bom é saber ler e ler com existência, com alma, sabedoria e ler com vivência. Como diz Paulo Freire: “Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação reflexão” (FREIRE, 1987, p.78).
Todo esse processo de aprendizagem passa por uma metamorfose. De acordo com Madalena Freire, “o ato criador é o processo de dar forma, dar vida ao nosso desejo”. Como criadores e educadores precisamos extrair do ser algo que mova a paixão por conhecer o mundo e principalmente educar a si próprio.
Aprendemos juntos na troca, em grupos e diariamente através de nossos registros. Para Madalena Freire “a ação, a interação e a troca movem o processo de formação permanente”. Ninguém aprende sozinho, nós aprendemos com o outro, com convivência com o outro, com a cultura do outro com as perspectivas do outro.
O registro de atividades do cotidiano possibilita-nos corrigir, rever, aprofundar ideias a respeito da nossa prática como educadores responsáveis, com o dever de planejar, observar e refletir sobre todo o mundo que nos cerca, pesquisando e abrindo horizontes para conhecer o novo, com suas lutas cotidianas e permanentes.
Afirma a autora: “O educador pensante reflete e pratica a autoria da sua reflexão, e assim registra com as certezas da vivência com o outro, das surpresas que o outro faz, e que aguçam a imaginação”.
Para maior compreensão, os registros são ferramentas que o educador tem para acertar e modificar sua prática docente, quando algo estiver fora do seu contexto, e assim buscar entender como resolver problemas e trazer as soluções.
Toda atividade segmenta-se num método. Na atividade proposta “Carta em Alemão” o método usado foi construtivista, o que fez com que o grupo buscasse algumas formas de entender o texto, mesmo tendo no grupo um mediador que nos ajudou na tradução de algumas palavras. Também foram importantíssimas as interversões da professora com a intencionalidade de nos auxiliar no bom desenvolvimento da tarefa, e, assim, pude compreender, com base em Paulo Freire e Madalena Freire, que vivenciamos três dimensões pedagógicas:
A política, porque a professora teve uma intencionalidade pedagógica clara, assumindo uma postura de educador que escolhe uma metodologia crítica para nos fazer pensar. Com isso, vencemos o desafio de conseguir entender o texto em outro idioma, quebrando o paradigma de que não é possível a leitura de um texto com palavras desconhecidas. É o pensar crítico, superando o pensar ingênuo, como nos diz Paulo Freire.
A científica, quando a professora nos estimulou a pesquisar e procurar métodos para entender o estranho texto, mas, principalmente, para realizar esta síntese reflexiva, embasada em autores críticos da área pedagógica.
A artística, quando nos incentivou a trabalhar com o imaginário e com as lembranças de nossas histórias de vida.
Quanto à didática utilizada nas atividades, considero boa, pois nos orientou na aprendizagem com muita eficiência, ajudando-nos a alcançar os objetivos predeterminados.
E, com isso, concluímos mais uma atividade complexa e crítica, “à sombra de uma mangueira”.

Fernanda Dal'Mas Sales da Silva 
(7º semestre Pedagogia PARFOR)

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