domingo, 22 de março de 2015

Diante do Novo: desafios didáticos da leitura e da escrita

Na nossa primeira aula de Conteúdos e Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa II, a professora nos surpreendeu com uma atividade inusitada: solicitou que realizássemos a leitura de um texto em língua alemã. A surpresa foi geral.
Com esta atividade, fiquei, a princípio, totalmente desolada. Aliviada fiquei, ao formarmos os grupos. Então, iniciamos um diálogo relacionado ao texto, e foi uma sensação de conforto, porque poderíamos discutir e tirar as dúvidas que tínhamos. Percebemos de imediato que, apesar de termos um pouco de conhecimento de algumas palavras, isso não era o suficiente para continuarmos a leitura e conseguirmos alcançar êxito.
Para realizar a leitura do texto, usamos algumas estratégias como, por exemplo, o que aprendemos no primeiro semestre, lendo Luiz Antônio Marcushi: “todo gênero textual tem uma estrutura mais ou menos definida”. Por isso, foi fácil reconhecer que estávamos diante de uma carta. Diante de uma nova língua, decodificamos com o que conhecemos. No entanto, para podermos realizar uma leitura compreensiva faltou o domínio da língua.
A fim de aprofundarmos nossa reflexão sobre leitura e escrita, a partir da atividade realizada com a carta em alemão, a professora nos propôs a leitura de “A importância do ato de ler”, de Paulo Freire. Essa leitura conduziu-me a uma retrospectiva de minha trajetória até aqui.
Ao iniciar o Curso de Pedagogia, senti-me apenas como um peixe fora d’água. Crescera ouvindo que ensino superior não era para qualquer um, somente para pessoas de posse e da elite, que possuíssem subsídios financeiros para tal ato, e ali estava eu numa sala de aula, cursando Pedagogia, aprendendo a aprender a ensinar.
Confesso que antes de começarem as aulas, tive que me preparar psicologicamente. Afinal, iria me deparar com o desconhecido, algo muito difícil por mais que tentasse. Em meu interior ocorria uma mistura de sensações, mas a que falava mais alto era a Ansiedade.
Na época, trabalhava numa creche de Ensino Infantil. Ausentes os recursos tecnológicos, ou seja, não havia computador, o que me impossibilitava de obter mais informações sobre o curso, bem como o caminho que iria traçar ao longo destes oito semestres. A fim de obter mais informações, recorri às professoras de Educação Infantil e coordenadoras que visitavam a creche, porém suas respostas eram muito vagas.
Em uma dessas perguntas, uma das coordenadoras da Sido (Secretaria de Educação do município de São Vicente) comentou que os estudos em Pedagogia consistiam em teorias. Algo que não me ajudou muito, vez que surgiram mais perguntas em minha mente. Afinal, o que seria Teoria?
Continuei indecisa, e buscava outras formas para achar respostas de minhas dúvidas que eram muitas. Sempre tive o hábito de passar em livrarias. Quando viajo para Minas, paro em uma livraria específica localizada na rodoviária de Tietê, em São Paulo. Como era de costume, sempre que passava gostava de apreciar as novidades, naquele dia não seria diferente. Ao entrar, observei calmamente e fui em direção de um livro muito diferente dos que já estava acostumada a ler, mas que ao mesmo tempo me pareceu familiar e que talvez pudesse me esclarecer ou de alguma forma minimizar as tantas dúvidas que passavam pela minha mente. Afinal de contas, a época de escola e de alfabetização o tempo fez o papel de afastar da gente tais lembranças. Momento este em que pensei: “Quem sabe este livro poderia diminuir minhas dúvidas, mesmo que pouco, seria o suficiente para me confortar da sensação do novo!”.
Ao entrar no ônibus, comecei a leitura e sem perceber já havia lido quase metade do livro, chegando a meu destino o guardei. E confesso que, às vezes, por alguns momentos vividos, me vinham lembranças das palavras contidas naqueles capítulos que diziam sobre algo que muito me interessava, mas eu ainda era muito leiga para entender o significado da tal leitura.
Primeiro dia de aula, fomos recebidos pelos profissionais especializados da Educação nos preparando para novos conhecimentos. Como imaginava, foi complicado compreender o significado de cada tema abordado. Nos três primeiros semestres, o meu maior obstáculo foi a aula de Informática, pois a cada aula era dominada pela ansiedade, chegando a acelerar meu coração. Esta situação me fazia lembrar de minha infância, no início de alfabetização. Daquela professora que não perdoava erros, também de outras compreensivas que facilitavam nosso BEABA, mas todas com os mesmos objetivos: palavras, leituras, ditados, e sempre correto.
Nossos momentos felizes eram no horário do recreio, corríamos discretamente pelos corredores da escola, brincando de pega-pega, ou até mesmo de cobra cega, amarelinha e... Víamos os pássaros quando pousavam no jardim da escola e do beija-flor que adorava as flores.
Ao chegarmos a casa, eu e meus irmãos éramos acolhidos pela minha querida e carinhosa mãe nos ajudando nas lições de casa e também a formar palavras e conhecimento de novas palavras.
Ela nunca tinha frequentado escola, porém sabia ler e escrever e sua leitura foi através do catecismo que era obrigada a frequentar na igreja católica. Nesse mesmo local, aprendiam a leitura através da bíblia sagrada. Após a lição de casa, íamos jantar, fazer oração como era de costume, mas antes a leitura da bíblia sagrada.
Na maioria das noites, meus pais com seus vizinhos e compadres ficavam contando causos, noite após noite, lembranças inesquecíveis das rodas de conversa no sítio do meu avô. Morria de medo, quando falavam sobre fatos reais acontecidos perto de lá, num lago próximo da casa. Histórias assombrosas, mas quando o assunto mudava e eles falavam em trava-língua, dávamos atenção. No dia seguinte eu e meus irmãos ficávamos imitando e soletrando letra por letra. Quando tínhamos dúvidas, minha mãe nos ajudava e contava novos versos, cantigas de roda
Toda esta digressão que fiz ajudou-me a compreender o texto “A importância do ato de ler”, proposto para este exercício de leitura e escrita, em que aprendi com Paulo Freire que a “leitura do mundo” incorpora a realidade cultural das pessoas que passam seus conhecimentos, por meio de um círculo de conversa. Assim vivenciamos nossa realidade e cultura, enriquecendo nosso repertório. Para mim, esses foram momentos inesquecíveis de minha infância.
Aprendi com os estudos de gêneros textuais que realizamos até aqui que, ao iniciar a criança no mundo de livros, é preciso familiarizá-los com o texto escrito, passando por diversos gêneros, tramas, estilos de textos, que também devem abarcar a realidade cultural, social e natural, mediada pelo uso das demais linguagens e formas de interação da criança com a natureza e sua cultura.
A leitura deve ser trabalhada diariamente, na perspectiva de que uma leitura puxa a outra e uma conversa sobre um livro sempre estimula a leitura de outro. Na Educação Infantil, a leitura deve incluir práticas culturais, experiências, prazeres, alimentos para o imaginário e forma de interação com o outro, além de portar uma infinidade de sentidos e significados, que devem ser sempre compartilhados.
Neste curso de Pedagogia PARFOR, enfrentando meus obstáculos, percebi que não existe bom professor sem atualização, pois necessitamos do conhecimentos didático-metodológicos para ensinar a todos os alunos. Por esse motivo, para trabalhar na área da Educação tem que estar sempre se atualizando com formação continuada. E saber que não existe disciplina sem amor, e nem professor sem coração para entender que ser profissional é dominar o que faz e mais ainda ser humano. A desumanidade nos tira a visão da observação e, através das observações, conforme nos explica Madalena Freire, descobrimos a verdadeira personalidade daquele aluno que é quase invisível em sala de aula.
Aprendi, com Paulo Freire, que não existe prática sem teoria e nem teoria sem práticas, ambas caminham juntas. A teoria é a base e alicerce de tudo, é a vida, o ar, o vento, palavras que nos fortalecem e alimentam com saberes diferenciados, num círculo de cultura.
No terceiro semestre do curso, trabalhamos a disciplina EJA Jovens e adultos. A professora nos pediu um trabalho em grupo de leitura de somente um livro para abordar conceitos fundamentais para a nossa prática pedagógica. Para minha surpresa, chegando a casa, percebi que era o livro que havia comprado na rodoviária de Tietê, na cidade de São Paulo: Pedagogia da Autonomia, de Paulo Freire. Comprei um tesouro sem imaginar que, graças a ele, estava transformando meu sonho em realidade.
Agora, novamente, diante do exercício “A carta em alemão”, tivemos um impacto diante do novo, a interação entre os grupos de alunos facilitou o entendimento. A professora, por sua vez, esforçou-se muito para deixar claros os objetivos, conteúdos e métodos para o desenvolvimento da didática do ensino da língua portuguesa. Segundo Madalena Freire, o professor em formação deve ter o olhar curioso, incansável, diante do novo, enfrentando seus conflitos. E isso foi o que nos propôs a professora Rosana, de forma sistematizada.
Desse modo, fica mais fácil percebemos que a aprendizagem não é um processo individual e depende do esforço de quem aprende. Aprendizagem é um processo coletivo que envolve tanto as ações do educando quanto as ações do educador. Para Madalena Freire, o professor deve dispor de diferentes recursos teórico-metodológicos e de conhecimento amplo que facilitam tanto o trabalho do professor como a aprendizagem do aluno que, por seu turno, pode experimentar o conteúdo aprendido de maneiras diferentes.
A aprendizagem tem necessidades de experiências, possibilitando o desenvolvimento da paixão pela sala de aula no dia a dia, sendo um desafio saber ensinar com emoções presentes na elaboração do conhecimento. Sinto esta professora na nossa aula de Conteúdos e Metodologia de Língua Portuguesa.
Concluí que a metodologia utilizada no exercício da “carta em alemão” produziu aprendizagem para nós, bem como foi possível observar que, sempre que a professora colocar o aluno diante do novo, haverá consequências diretas e isso a levará a selecionar os métodos e os procedimentos de ensino mais apropriados.
Ainda sobre esta atividade proposta pela professora Rosana, foi possível compreender que o processo de aprender não está relacionado apenas com as capacidades intelectuais de uma forma mais ampla. O processo de aprender envolve, para além das nossas habilidades cognitivas, as relações interpessoais entre professor e aluno e, consequentemente, a relação que se constrói com o conhecimento. 
Para Paulo Freire, é importante a socialização de conhecimentos por meio do diálogo. Isso justifica trabalharmos em grupo na sala de aula. Para Madalena Freire, é importante o professor ter seus métodos de forma clara e organizada e em constante reflexão. Isso justiça o exercício de reflexão escrita sobre a leitura e a escrita que estamos fazendo. Por fim, ambos os autores consideram a relação didática entre educador e educando essencial para uma formação crítica do cidadão e cidadã. E isso estamos aprendendo em nosso curso.

Izildinha de Oliveira Santos (7º semestre Pedagogia PARFOR)

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