quinta-feira, 26 de março de 2015

A leitura e a escrita do mundo

Na nossa primeira aula de Conteúdos e Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa II, a professora nos surpreendeu com uma atividade inusitada. 
Entregou um texto de uma língua desconhecida por todos da sala, e propôs que fizéssemos sua leitura. O primeiro impacto foi assustador, como iríamos ler um texto se não dominamos a língua escrita?
Logo surge uma insegurança por não sermos capazes de decifrar o que está escrito, mas conforme Isabel Solé discursa sobre estratégias de leitura: "ler é ativar estratégias de um conhecimento existente para compreender o significado das palavras e atribuir sentindo ao texto". Então, o primeiro caminho para tentar decifrá-lo é analisar sua estrutura textual e seu gênero.
No que se refere ao exercício com um texto em alemão, percebemos, por meio de sua estrutura, que se tratava de uma carta comercial, em seguida, buscamos um repertório cultural para descobrir algumas palavras e seus significados, porém não foi suficiente para realizarmos uma leitura compreensiva do texto, pois não dominamos a língua alemã.
Ao aprofundar a reflexão sobre o que é ler, a partir de Paulo Freire, em “A importância do ato de ler”, paro para pensar e viajo em minha imaginação, relembrando como fui inserida no mundo da leitura pela minha professora Ana, no jardim de infância. Por sinal, foi um pouco tarde, pelo fato de meus pais não terem a vivência nesse universo enriquecedor, e, como sabemos, o comportamento familiar é uma importante influência para estimular os hábitos dos filhos.
Voltando ao meu primeiro contato com a leitura no jardim de infância, a professora Ana lia quase todos os dias histórias infantis. Eu achava o máximo esses momentos e ficava encantada com as histórias. Depois, ela deixava os alunos irem ao cantinho da leitura para manusear os livros mesmo sem sabermos ler. Compreendo essa vivência, com base em Paulo Freire, quando o autor explica que a interação social com o outro e com o meio tem fundamental importância para o desenvolvimento do indivíduo.
A proposta da tia Ana era boa, porque eu aproveitava esses momentos para viajar em minha imaginação, criando e recriando, a partir do que tinha escutado como leitora/ouvinte e das ilustrações dos livros, minhas próprias histórias. Porém, percebo que a professora poderia ter utilizado outras metodologias para o desenvolvimento da oralidade e consequentemente da leitura, como, por exemplo, recursos da arte de contar histórias, que popularmente chamamos de “contação”.
Portanto, a leitura dos livros é um recurso pedagógico para produzir a linguagem escrita dos alunos, e a contação, realizada pelo professor ou pelos próprios alunos, desenvolve uma linguagem oral, sendo que ambas são essenciais para a formação. É possível, inclusive, enriquecer essas atividades, utilizando objetos visuais e sonoros, como fantoches, dedoches, entre outros. Recorro aqui novamente a Freire, quando o autor afirma que a alfabetização é a criação da expressão escrita da expressão oral, sendo o educando o único que consegue fazer sua própria criação, dando sentido ao seu aprendizado, no momento da alfabetização.
Ao entrar na Educação Fundamental, minha professora da primeira série continuava a trabalhar com os livros de histórias infantis como suporte textual e utilizava essa leitura como base para construir recontos feitos pelos alunos, sendo ela a escriba. Achava interessante, pois era uma maneira dela nos envolver com a leitura mais profundamente.
Entretanto, hoje, com base nos estudos que desenvolvemos no curso de Pedagogia, avalio que minha professora poderia trabalhar com outros gêneros textuais, e com outros suportes textuais, não focando somente em histórias de livros infantis, tais como os textos de jornais e revistas, como as notícias, ou outros gêneros do dia a dia, como bilhetes entre outros. Afinal, a escola é o lugar onde temos um contato mais formal com o mundo da leitura e escrita, assim os alunos não podem ser limitados a ter o aprendizado com a diversidade textual. Pasquier e Dolz defendem que os alunos devem ser inseridos e orientados a produzirem textos desde cedo, pois é uma atividade complexa que exige diversas capacidades, e, por sinal, é uma aprendizagem lenta e prolongada, sendo essa aprendizagem voltada para o ensino da escrita, por meio da diversidade textual.
Lembro-me quando a professora da segunda série ensinou-nos diferentes gêneros textuais. Foi produtivo compreender que existiam outros textos, não apenas os das histórias infantis. Chegava a casa da escola, querendo anotar as receitas que minha mãe fazia para deixá-las guardadas em um caderninho, fazer listas de compras, convites manuais, entre outros. Segundo Pasquier e Dolz, isso significa que o aluno tem que ser consciente da diversidade textual e aprender escrever textos, conforme sua necessidade da situação particular de comunicação.
E quando essa mesma professora da segunda série propôs escrever uma carta para um aluno de outra escola de outra cidade foi muito interessante, queria me dedicar ao máximo a essa carta, escrever bonito, com palavras e estrutura correta, assuntos da minha realidade, do meu mundo, para me comunicar com outra pessoa que sequer conhecia. Depois, a ansiedade em aguardar sua devolutiva, e ao receber, tentar ler sozinha, percebendo que era capaz de escrever e ler. Afinal, como nos lembra Freire, ler não é decodificar e sim atribuir sentido ao texto, e já estava conseguindo atribuir sentido às minhas leituras. Freire nos ensina que o processo de alfabetização deve ser carregado de significação da experiência existencial do educando, com isso, minha professora estava incentivando a escrever de maneira significativa por meio da minha realidade.
Percebo que ainda se confunde o processo de ensino/aprendizado nas escolas com o fato de ensinar os alunos a ler e escrever, porém o processo de leitura vai além da simples leitura de um texto ou somente a alfabetização. Os alunos têm que aprender a dar sentido às suas leituras, entender, analisar, refletir e questionar. Por isso, Paulo Freire é tão atual, uma vez que o autor enfatiza que a leitura da palavra vai além da leitura do mundo, mas de sua maneira de transformar a leitura por meio de nossa prática consciente.
Para isso, os professores precisam compreender a importância do ato de ler, de acordo com o que recomenda Freire, a fim de internalizar e praticar constantemente esse processo de formação de leitores competentes, auxiliar os alunos a construírem seu saber e o gosto pela leitura. Utilizar diferentes suportes, gêneros, estruturas textuais, sequências didáticas, enfim formar leitores competentes e de excelência e não mais alfabetos funcionais.
Com o exercício de fazer a leitura da carta em alemão, ponho-me no lugar dos pequenos alunos que quando estão sendo alfabetizados, em alguns casos, não têm um conhecimento e repertório sobre os diferentes gêneros, tipos e estruturas textuais, e quando se deparam com frases ou textos se sentem perdidos, tentando decifrar as palavras, sem atribuir-lhes sentido. Por isso, é importante que os alunos tenham contato desde cedo com os diferentes textos, sem duvidar de suas capacidades de compreensão. Assim, em seu processo de alfabetização, possam ter uma experiência e entrosamento com o mundo da leitura, tornando-se indivíduos leitores competentes, críticos e atuantes na sociedade. Fundamentando esta reflexão em Paulo Freire cito que:
Não há transição que não implique um ponto de partida, um processo e um ponto de chegada. Todo amanhã se cria num ontem, através de um hoje. De modo que o nosso futuro baseia-se no passado e se corporifica no presente. Temos de saber o que fomos e o que somos, para sabermos o que seremos.
Segundo Madalena Freire, o aprendizado acontece com a troca de conhecimentos constante dos indivíduos. Aprendemos a pensar com o outro, a ler construindo novas hipóteses na interação com o outro, a escrever, organizando nossas hipóteses com a do outro, a refletir estruturando nossas hipóteses na interação e na troca com o grupo, sendo função do educador interagir com os alunos para orientar essa troca, buscando esse conhecimento. Vivemos em uma sociedade onde necessitamos do sociointeracionismo, principalmente em ambientes escolares, pois precisamos da interação com o outro e com o meio para se desenvolver plenamente e se preparar para conviver em sociedade.
Conforme a leitura de Madalena Freire, “A aventura de ensinar, criar e educar”, o educador é um leitor, escritor, pesquisador, que faz ciência da educação. Desse modo, lê a realidade das pessoas e as suas, registra seu fazer pedagógico, questionando e perguntando sobre as hipóteses do seu pensar. O educador precisa rever seus conceitos e posturas, não basta cobrar os alunos e não desempenhar seu papel com qualidade.
Ainda de acordo com Madalena Freire, quando escrevemos desenvolvemos nossa capacidade reflexiva sobre o que sabemos e o que ainda não dominamos. E nesse momento de escrever faz o educador formular perguntas, levantar hipóteses. Nesse exercício, aprende tanto a formulá-las, quanto a respondê-las, e essa tarefa incentiva pensar, pesquisar e aprender. Esse é o papel de todo educador. O registro de sua reflexão significa abrir-se para seu processo de aprendizagem.
Diante do exposto, foi possível compreender que, na atividade realizada sobre a “carta em alemão”, no primeiro momento, a teoria utilizada pela professora foi o sociointeracionismo, em que cada aluno da sala podia socializar seu conhecimento sobre algo contido na carta, descobrindo algumas pistas.
A professora de Conteúdos e Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa II teve a intenção de fazer com que os alunos desenvolvessem as habilidades de ler, escrever e pesquisar, fazendo uma síntese reflexiva de seus registros, a cada etapa das tarefas solicitadas. Portanto, foi utilizada a teoria do construtivismo, pois o saber não é algo concluído, estamos sempre aprendendo e construindo novos conhecimentos e a cada devolutiva da atividade tínhamos a oportunidade de ler, pesquisar e aperfeiçoar nossa reflexão e escrita.
Portanto, concluo que mergulhamos em um processo de leitura e escrita que nos ajudou a conhecer melhor o mundo da didática do ensino da língua portuguesa.

Ariellen de Araujo Gois (7º semestre Pedagogia PARFOR)

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