domingo, 17 de maio de 2015

Reflexões e autofomação


Na primeira aula de Conteúdo e Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa II, a professora nos surpreendeu com uma atividade inusitada: a leitura de um texto em alemão, texto esse que causou certo furor na sala, pois todos estavam tentando entendê-lo sem sucesso.
Ao tentar realizar a leitura, que, aparentemente, era de um texto de agradecimento (por dedução), me senti meio deslocada, como uma pessoa que não sabe ler convencionalmente, mas tem conhecimento de algumas palavras, uma vez que pude encontrar, durante a leitura, palavras que me eram familiares. Não entendi quase nada do conteúdo escrito (a não ser as palavras com a escrita parecida com a nossa). Essa leitura, para mim, não acrescentou nada para meu conhecimento, pois a leitura tem que extrair o significado das palavras para ter um entendimento, então, como não soube traduzir o que estava escrito, a leitura não teve muito sentido.
À medida que lemos e entendemos qualquer que seja o texto, ele passa a fazer sentido e nos envolve em sua escrita com prazer, mas quando nos deparamos com algo que, para fazer a leitura é difícil e ainda não temos conhecimento da escrita, fica mais difícil ainda. Pois, como nos explica Freire (1989), em “A importância do ato de ler”, quando a leitura deixa de ser uma leitura de mundo e passa a ser uma leitura convencional, precisa da escrita para fazer sentido, pois ambas andam juntas.
Para fazer a leitura da "carta em alemão", tive que fazer um trabalho de reconhecimento de algumas palavras, mesmo assim não houve compreensão de minha parte, pois para total compreensão eu deveria no mínimo ter que alguma noção de alemão. 

Essa experiência me fez lembrar Paulo Freire (1989). Embora tenhamos uma diferença de idade significativa, nossa infância foi bem parecida, também fui crida em uma cidade pequena do interior e a maior parte de minha infância foi brincando debaixo de uma mangueira.
Quando Freire (1989) diz “o verde da manga-espada verde, o verde da manda-espada inchada, o amarelo esverdeado da mesma manga amadurecendo”, parecia que estávamos no mesmo local, por tamanha coincidência. O cantar dos pássaros, o verde das árvores, as conversas dos adultos sobre assombração e até o cachorro, a minha era fêmea, se chamava Chulica e morreu debaixo de uma mangueira, picada por uma cobra cascavel.
Quanto à imagem de pai, eu tinha como referência meu tio que tinha pouco a me oferecer no aprendizado da escrita, pois tinha pouco estudo. Quando li o texto em alemão, me senti como se ainda estivesse naquela época, quando as palavras escritas não tinham sentido algum, e passava horas tentando entender o que queriam dizer as letras, aí, então, meu tio chegava da roça e lia para mim. Só tinha entendimento dos rótulos, pois os mesmos apareciam com frequência nos comerciais de TV, só tinha como leitura a imagem e não as letras.
Essa reflexão me levou ao passado, tempo esse que guardo na memória com muito carinho e como diz Paulo Freire “neste esforço a que me vou entregando, re-crio, e re-vivo, no texto que escrevo, a experiência vivida no momento que ainda não lia”. (FREIRE, 1989).
É possível, portanto, compreender que a leitura, conforme Freire, se dá a partir da leitura da palavra e a partir dela é possível reescrever o mundo “a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo mas por uma certa forma de escrevê-lo ou de reescrevê-lo”. (FREIRE, 1989)
Foi praticamente o que aconteceu com o texto em alemão, tivemos que fazer uma análise do mesmo, sem conhecer a língua escrita, foi como se eu tivesse voltado no tempo quando ainda não lia.
Madalena Freire (1996) faz uma observação em seu livro "Observação, registro, reflexão", em que diz que “quando registramos, tentamos guardar, prender fragmentos do tempo vivido que nos é significativo, para mantê-lo vivo” (M. FREIRE, 1996, p. 10). É exatamente o que acontece quando escrevemos, guardamos experiências vividas como lição para o futuro. 
No que se refere à importância de escrever, refletindo sobre a prática docente, Madalena Freire (1996) caracteriza o registro do professor como instrumento metodológico de autoformação. Isso quer dizer que cabe ao professor estar sempre pesquisando e se reorganizando para que possa dar continuidade à alfabetização convencional, de modo que a criança seja plenamente alfabetizada independentemente do método usado na escola.
Segundo Madalena Freire “aprendemos porque damos significado à realidade, porque buscamos, desejamos desvelar o porquê do que não conhecemos. Toda busca de saber nasce de uma inquietação, da falta que emana da prática” (M. FREIRE, 1996, p. 11). É isso que é esperado de nós futuros pedagogos, essa autoformação que precisamos construir para que tenhamos sucesso na prática.
Concluo defendendo que tanto Paulo Freire quanto Madalena Freire defendem a causa de que devemos estar em constante aprendizado e que somos sujeitos alfabetizadores. E é a partir de nós que alfabetizaremos, se não formos bons leitores, como formaremos leitores? Se não formos pesquisadores, como ensinarmos a pesquisar? Se não usamos nossas reflexões, como pediremos isso aos alunos?
É possível afirmar que este exercício que começou com a leitura da “carta em alemão”, incorporou a leitura dos textos de Paulo e Madalena Freire, para terminar com este registro reflexivo escrito contribuiu com nossa formação. Posso assim dizer que a professora teve a intencionalidade pedagógica de nos mostrar o quão importante é o ato da reflexão para elaboração de textos, e todas teorias usadas até aqui deram total suporte para elaboração desta síntese reflexiva. Acredito ser esta a intenção da professora ao orientar esta atividade em três etapas: formar professores conscientes de seus deveres para com o cidadão a ser alfabetizado.


Referências Bibliográficas:

FREIRE, Madalena. Observação, registro e reflexão: Instrumentos Metodológicos I. 2ª ed. São Paulo: Espaço Pedagógico, 1996.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 1989.

Sandra Mara Cordeiro (7º semestre Pedagogia PARFOR)

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